A vacina é chinesa, mas a morte é brasileira

Estamos acompanhando nas mídias o processo chamado pelos jornalistas de “politização da vacina”. O caso é o seguinte: o primoroso Governo Federal resolveu brasileiro nega a possibilidade da compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, que está sendo desenvolvida a partir da parceria do Governo do Estado de São Paulo, com o Instituto Butantã e o laboratório Chinês Sinovac. Alegando que a “vacina Chinesa do Dória” não tem comprovação regulamentada pela Anvisa — o que é bem curioso, já que autorizaram a vacina da Oxford, que também não tem, como a cloroquina, mas pedir coerência é muito, né?

As disputas de Bolsonaro com Doria e com a China são mais profundas do que parecem. Nem um anjo bom no ombro esquerdo do presidente sussurrando um possível flash de consciência, pode romper. A vacina é feita na China — oposição política de Trump, logo, de Bolsonaro. O governador do Estado de São Paulo, hoje, é inimigo político do presidente e, em uma eventual disputa presidencial, também o será, em 2022.

Afirmar que Bolsonaro está fazendo uso político da vacina como se ele fosse mal, tem dois problemas: 1º Bolsonaro é tudo isso, independentemente da vacina e 2º tudo é político. É obvio que ainda não sabemos se a vacina funcionará, mas a consequência de o Governo Federal não cogitar a compra de uma vacina é a não distribuição nacional dela pelo Programa Nacional de Imunização. Se ela tiver eficácia comprovada e for autorizada, podemos viver o absurdo nacional de só a população de São Paulo ter acesso a ela. O que causaria a continuidade do descontrole sobre a pandemia e o aprofundamento das desigualdades sociais. Com um bônus, de ser mais uma decisão deliberada do governo: negar à população a proteção contra a COVID-19.

O sistema básico de saúde funciona na lógica da regionalização e do território. A gestão das necessidades locais é organizada a partir da quantidade de pessoas residentes naquele local, bem como o financiamento, a partir dos Ceps e CPFs cadastrados nas unidades básicas de saúde. Pensando nas implicações disso, a população muitas vezes precisa acessar a atenção básica no território do seu trabalho, não no de sua residência. Então, burlam o sistema, pegando comprovantes de residência de um parente, ou algo do tipo. Não estou fazendo julgamento moral algum. Um exemplo: a necessidade de mães trabalhadoras fazerem o pré-natal na hora do seu almoço. Imagina terem que voltar para o seu município, ou cidade, para realizarem o procedimento? Ou elas burlam, ou não o fazem.

O que a vida quer é viver, a luta por ela é um direito, uns tem armas mais poderosas do que outros e obviamente as usarão, eles não têm esse direito? Ou é o governo que não tem direito de negar vacina e saúde à população?

A curto prazo, não terá vacina para todo mundo. Quais serão então, os critérios de priorização? Como fazer critérios de priorização com menos disponibilidade de vacinas? A vacinação será obrigatória? Será de distribuição nacional ou regional? Já passamos da hora de esperar menos alinhamento ideológico e coerência, afinal, usar politicamente os aparelhos de Estado, privatizá-los, negar direitos à população e promover a morte é o projeto!