À praia!

Pode parecer uma surpresa para quem me lê, mas sou um pouco mal humorado. Confesso uma certa dificuldade em gostar de certas coisas, como por exemplo, tudo. Sou que nem o cara da canção, não gosto de chuva, nem gosto de sol. Praia, então…
— Vamos à praia?
— Por quê?
— Ué, está um calorão de rachar!
— Lá é fresco?
— Não!
— Tem ar geladinho?
— Não!
— Deixa eu ver se entendi: vou acordar cedo, pegar o carro, me meter num engarrafamento, demorar horas para achar um local para estacionar, para chegar no local mais quente da cidade no dia mais quente do ano?
Entenderam? Qual é a lógica? Se fosse só isso, mas ao chegar lá temos areia – suja – em ebulição, bebidas quentes e caras, água — suja —, gente em todos os quadrantes, uma promiscuidade inominável. E onde não passa nem um camundongo, tem gente jogando futebol!

Ok, há mulheres bonitas. Mas uso óculos, e óculos na praia ficam emporcalhados de areia, então não dá para ver nada. Aí depois de algumas horas, lembro que não passei protetor solar. Em brasa. Ou seja, só vou conseguir dormir pendurado pela língua…
Praia é ruim em qualquer circunstância. Um dia me convenceram a passar o reveillon em Copacabana…

Metrô, uma fila inacreditável, totalmente lotado, aquele calor úmido e a compressão de outros seres suados fazem a roupinha branca grudar no corpo. Com o calor a pressão baixa, dá sonolência e cansaço. E dor de cabeça. E sede. E ainda não são nem 9 horas. Aliás, ainda nem chegamos, está na primeira estação. Alguém liga um aparelho de som com um funk. No outro extremo do vagão alguém não gosta e toca um pagode tipo sambanejo, também conhecido como corno music. O primeiro aumenta o volume, o segundo reage à altura. Entra mais gente, um ou dois vendedores, geladeiras imensas de isopor e estamos apenas 3 estações à frente. Molhado, toda a água do corpo já saiu pelos poros, inicia-se uma desidratação interna. Um pregador pede a palavra — pede não, toma — e começa a falar das glórias de Deus entre um funk que pede para alguém se abaixar e um pagode que diz para não baixar a cabeça. Ele diz que Deus deu seu único filho para nos salvar e que este dia era a comemoração de seu nascimento. Alguém diz:
— Seu burro, o natal foi semana passada!
O pregador não se dá por vencido, diz que apesar disso o tempo só passou a ser contado uma semana depois, então o aniversário seria naquele dia. Uma discussão teológica de alto nível toma corpo. A moça que canta o funk se declara atoladinha, o cantor do outro lado diz que ama alguém mais que tudo.

Chegamos.
A roupa branca não o é mais. O tênis agora é cinza escuro, e falta um botão na camisa. Inicia-se a longa caminhada até a praia. Ruas apinhadas, uma estranha procissão se encaminha às areias. Mas não há areia visível. Um mar de gente tapando o mar de água. Sou alto, mas nem assim consigo ver um horizonte. Umas senhoras abrem uma roda para fazer um despacho, a população à volta reage e o despacho fica confinado ao tamanho de um lencinho. Saí de perto, quando acendessem a vela — só cabia uma — certamente ia pegar fogo em alguém. E nem 10 horas ainda.

Xixi. Apesar da desidratação, os rins bravamente continuavam funcionando. Onde? Um bar. Vários com tabuletas negando a gentileza, apenas para clientes. Não seja por isso.
— Um copo de água mineral, por favor.
— Vai querer usar o banheiro?
— Vou.
— Então tem que comprar no mínimo uma coca litro.
Combinei que isso me daria direito a uma segunda vinda gratuita, já que depois de beber aquilo tudo certamente precisaria voltar. Feito.

Não cabe aqui descrever as duas horas seguintes. Algumas cenas foram hediondas demais para serem reproduzidas, outras ninguém acreditaria mesmo. Por exemplo, um sujeito com chapéu de mexicano me mandou olhares sedutores. Se se oferecesse para me tirar daquele lugar, talvez eu topasse. Uma moça falando uma língua que não compreendi perguntou se eu compraria catiaca para ela. Imagino que fosse cachaça. Mas, enfim, chegou a hora! Os fogos! O mundo inteiro queria estar ali onde eu estava!
Na primeira descarga, uma fumaceira impediu a visão de qualquer coisa pela próxima hora. E tomei um banho de champanhe vagabunda que fez minha vida andar pra trás nos 12 meses seguintes.
Também não gosto de montanha, aliás.