A heroica infância feminina

Ser mulher é algo bastante inusitado. A sensação que tenho é de que somos vistas e criadas como se fôssemos de ferro maciço revestido por lâminas de porcelana. O tempo todo durante a infância muitas de nós sentem-se reprimidas por todos os lados. Os meninos, sempre mais livres, mais soltos, desde anatomicamente até na liberdade geográfica propriamente dita. Garotos podem muito mais do que as garotas. São incentivados a serem mais independentes do que as meninas. As meninas, mal começam a andar e já são convidadas a título de brincar de casinha, a ajudar a mamãe numa ou em outra tarefa doméstica. Nunca entendi porque após a janta, na minha época, as meninas iam retirar a mesa, lavar a louça e arrumar a cozinha com as mães enquanto os meninos… nem sei bem o que faziam, estava sempre na primeira alternativa.

A sociedade machista induz a mulher a submeter-se a essa condição social. Porque bonecas, panelas, e não bolas, carros, computadores?

Queriam eles que sonhássemos com os filhos, a casa e a janta do marido? A infância feminina é assim, uma preparação inconsciente para existir num mundo machista.  Entre várias recomendações do tipo: “ria baixo”, “não fale alto”, “seja discreta”, “sente direito” as meninas vão crescendo e muitas vezes carregam para si ecos de posturas que lhe foram cobradas. Um exemplo disso é a quantidade de mulheres que encontrei que como eu, tinham dificuldade em usar esmalte vermelhão… fruto de uma época em que nos ensinavam que era coisa de “mulher da vida”. Como se as ‘outras’ mulheres não fossem da vida. Esse é o lado porcelana… Em contrapartida existe o preparatório para o lado de “ferro”. Temos que aprender a sentir dores físicas. A conviver com elas. A sufocar dores emocionais em nome de que a mulher precisa ser forte. Fazer-se de difícil até quando não quer. Precisa guardar segredos, fazer economia, dominar os assuntos domésticos de “A” a “Z”.

A infância feminina ainda passa em alguns casos por exageros de vestuário, de maquiagem, há alguns meses, vi um vídeo numa rede social de uma menina de no máximo 8 anos ensinando a maquiar. Ela não tinha nem seios ainda… e já usava toneladas de produtos cosméticos para fazer seu look. Isso não é normal. Meninas pequenas estimuladas a fazer danças com forte apelo erótico sensual. Isso não é natural. Infância é lugar de brincadeira, de viver o lúdico o quanto possível for. É lugar de sonhar seus sonhos, sejam eles de ser dona de casa ou astronauta, professora ou engenheira, jogadora de futebol ou freira. Não precisamos de um modelo a ser seguido, antes de mulheres, somos seres humanos, com vontades, aptidões, características peculiares, dispensamos os modelos, deixemos nossas meninas viverem intensamente sua infância e ofereçamos a elas exemplos.