A garagem está cheia

Mike é um acumulador. Ele guarda roupas, muitas roupas, muitas mesmo, na garagem de casa em alguma cidade dos Estados Unidos. Conheci a história dele em um desses programas da TV a cabo. Assistir a esse tipo de conteúdo é, para mim, uma das melhores formas de cometer higiene mental.

O tal Mike, de uns 60 anos de idade, acumulava as peças de roupa, dizia ele, “para não esquecer as pessoas que passaram pela vida dele”. Era o vestido de um grande amor já falecido, a bermuda de um amigo de infância, o casaco da avó e até camisas de um simples vizinho com quem teve pouco contato — como todo bom vizinho deve ser.  Muita roupa. Muita mesmo. Inclusive de desconhecidos, que ele se forçava a conhecer.

É melhor pedir do que roubar. Mike até seguia a ideia, mas quando a pessoa não lhe dava uma peça de roupa numa boa, ele dava um jeito de tirar a roupa de alguém (não necessariamente do corpo da pessoa, embora isso tenha acontecido com um chapéu de um colega de trabalho, como ele mesmo conta).

Sempre que alguém iria visitar Mike, ele avisava: “A garagem está cheia”. A pessoa que lutasse para parar o carro em outro lugar, ou que fosse de outra forma. Mike era um sujeito pacato, desses que só bebem cerveja quando seu time joga. Um pouco solitário, Mike era um acumulador não de roupas, mas de pessoas. O narrador do programa da TV disse isso e se está na televisão é verdade.

Quando ouvi essa frase “acumulador de pessoas”, pensei que, todos nós, de certa forma, somos, fomos, ou seremos assim. #SomosTodosMike. Já aconteceu com o cronista aqui, demorei a perceber que determinada roupa não cabia na minha magra e alta vida. Todavia, a gente aprende. Quando aperta, é hora de tirar. Viva o naturalismo. Pelo menos às vezes.

Sem querer ser uma gravata sufocante e caga regra, não entro nessa seção, porém, somos aquilo que levamos e trazemos. Mas somos, principalmente, o que deixamos pelo caminho. Aceitar a derrota é libertador. Esqueça a velha blusa da Seleção.

Um dia, o filho de Mike disse que iria visitar o pai. Ele disse: “A garagem está vazia. Só ficou um vestido e uma bermuda. Traz umas camisas suas, filho?”.