A culpa e a coragem

Como olhar para o que está acontecendo no Brasil e não desejar fugir para as colinas?

Arroz a R$30,00, 6 mil militares compondo cargos no governo, congelamento de gastos sociais por 20 anos, proposta de anulação do reajuste anual da aposentadoria por dois anos, mais de 130 mil mortos por COVID-19, 2 milhões de hectares do Pantanal em chamas, Amazônia em chamas, 89 mil reais injustificados depositados na conta da primeira dama. É quase como se tivéssemos que forçar muito os olhos, em um exame de vista meticuloso, com letrinhas bem pequenininhas, para ver algo de bom em tudo isso.

Mas, vocês já se perguntaram para que serve o Estado, ou o que é um Governo? Uma resposta reducionista poderia afirmar que Estado é o poder soberano, a Presidência da República, a Prefeitura, o Governo do Estado, ora bolas! E o Governo: aqueles que ocupam esses cargos no momento, obvio! Mas em uma análise mais precisa, o Estado [1] é fruto de relação dinâmica, um conjunto de relações de força, que exercem o poder de dominância, de determinação das políticas. Composto pela classe dominante, pela classe dominada e pela classe política, que estão em constante disputa entre si. É uma ilusão pensar que o Estado é algo sólido, que regula as leis e faz a orientação das políticas visando o bem comum. A função do Estado é a conservação, sendo mais maleável a determinadas orientações a partir de quem está ganhando esse cabo de guerra.

Dito isso, gostaria de acrescentar que o grupo que defende o Brasil, a distribuição de renda para o povo brasileiro, a preservação da vegetação e dos animais, que cada um possa amar quem quiser, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, que ninguém passe fome — porque o preço da sexta básica está exorbitante e a inflação dos alimentos absurda, que o poder de decisão política seja distribuído — o que chamamos carinhosamente de democracia, está perdendo. Nós estamos perdendo, você está perdendo, o Brasil está perdendo.

Não é mais possível justificar os erros de um governo com outros erros, como não é possível justificar a inação por ausência de culpa. É preciso ter atitude e assumir as responsabilidades, os cidadãos da sociedade civil e os representantes eleitos, porque leiam acima: todos nós somos parte do Estado. Todos nós temos o compromisso de ser e orientar as políticas. Sendo assim, das três, uma: ou nós acreditamos que tudo o que está acontecendo com país está correto porque merecemos — e isso seria definitivamente masoquismo, ou achamos que é o melhor mesmo, ou simplesmente não tomamos parte daquilo que é nosso encargo porque não temos coragem. L’État c’est nous.

Fui dura né?! Mas para encerrar: Você tem coragem ou vai fugir para as colinas agora que sabe de tudo isso?

[1] Para saber mais veja em Nico Poulantzas. Estado, o poder, o socialismo. Rio de janeiro. Graal. 1985