A cabana

Os dias se arrastavam pesados nas últimas semanas. Cristina e Pedro decidiram fazer uma pequena pausa para espairecer um pouco e renovar as energias. Escolheram uma cabana muito afastada da cidade grande, daquelas que ficam em comunhão com a natureza e são difíceis de acessar. “Quanto mais difícil melhor”, pensava Cristina ao escolher o local de destino. A ideia era ficarem mesmo isolados e, até certo ponto, incomunicáveis. Queriam o canto dos pássaros, banhos de rio, banhos de lua, pé na grama, sol na pele e, com sorte, estrelas cadentes. Era uma viagem longa para acessar o silêncio, apaziguar os ânimos exaltados e estressados pela correria insana do dia a dia, que profana os mais sagrados (e necessários) momentos de comunhão interior. Pausa! Uma pequena pausa era necessária para reagrupar os pensamentos, projetos e desejos.

Cristina organizou tudo com detalhes e escolheu uma pequena, porém charmosa, cabana no interior da cidade vizinha, dentro de uma reserva florestal. Dois quartos pequenos, beira rio, forno à lenha, vitrola e pé no chão. Levaram com eles sua cachorrinha Nina, que amava viajar e contemplar a natureza tanto quanto (ou mais do que) eles dois. O caminho era longo e saíram cedo de casa para aproveitar ao máximo a estadia. Não contavam com um trânsito colossal na rodovia que levava ao destino e passaram horas a fio presos em um engarrafamento que parecia interminável.

Tudo bem, já vai passar. Não adianta se estressar porque não há nada que possa ser feito nesse momento. Nada que esteja sob meu controle a não ser esperar sem me abalar. “Inspira, expira e relaxa”. Cristina repetia mentalmente esse mantra estoico e sempre buscava inspiração no imperador romano e filósofo Marco Aurélio para momentos de crise. O trânsito intenso acabou atrasando o horário de chegada na cabana e eles teriam que correr contra o tempo para conseguirem chegar ainda com a luz do sol, como solicitou o dono da hospedagem. Por se tratar de uma área rural não seria conveniente chegar à noite. Não havia luz na estrada e as propriedades ficam distantes entre si. Além de serem todas muito parecidas ali naquela região e ficaria difícil encontrar a porteira certa na escuridão noturna. Nenhuma sinalização estaria disponível e comentários como “virar à esquerda depois da terceira araucária após a segunda ponte de madeira” faziam parte das instruções do site para encontrar a casa.

Não bastasse o atraso e a perda da luz do dia para iluminar o caminho, nuvens negras e carregadas se amontoavam no céu. Estavam adentrando o início de um longo percurso de uma serra estreita, com muitas curvas e subidas infindáveis que pareciam levar diretamente ao céu. E, sem pestanejar, as nuvens descarregaram suas emoções em lágrimas de chuva torrencial. Elas se debulhavam e lavavam a estrada que, forrada de terra vermelha, começava a se transformar em uma pista perigosa e escorregadia como sabão.

Subiram sem grandes problemas os 17km de estrada de terra molhada e ensaboada até os últimos 50 metros finais quando se depararam com uma ladeira íngreme e mais escorregadia do que todo o restante do caminho. A chuva havia apertado ainda mais e não se enxergava um palmo à frente do carro. Pedro descia com o carro para ganhar impulso e tentar vencer a ladeira na força e na velocidade. O carro não subia. Descia mais um pouco e acelerava ainda mais forte. Não subia. Pausa. Inspira, expira e o silêncio da preocupação e angústia começava a se fazer ouvir. A voz do silêncio era cada vez mais audível. Tentaram mais uma vez após descerem ainda mais longe com o carro para ganharem mais impulso do que antes… e nada. Só que dessa vez o carro perdeu ainda mais o contato com o chão e começou a deslizar para baixo como se houvesse manteiga derramada no chão e não havia como frear ou impedir que ele continuasse a descer. Foi quando o carro deslizou para o canto direito da estrada, onde ficava um barranco e uma pequena valeta. O estrago estava feito. Não havia como sair dali.

Cristina, Pedro e Nina seguiram mudos por alguns minutos, tentando entender e assimilar o que acabara de acontecer. Estavam isolados em uma estrada completamente vazia, chovendo torrencialmente. Não havia luz. Nem pessoas. Muito menos sinal de celular ou internet. Eram apenas os três em um carro atolado e jogado no canto da estrada. O estoicismo de Marco Aurélio não estava sendo suficiente naquele momento e eles começaram a entrar em um pequeno surto coletivo. Saíram do carro e ficaram tentando, em vão, encontrar soluções para tirar o carro dali e conseguirem chegar a sua cabana tão aguardada. Insetos desvairados com as luzes do carro e dos celulares voavam, alucinada e desgovernadamente, para cima deles e isso era quase pior do que a morte para Cristina. Ela tinha fobia de insetos e precisava manter o equilíbrio mental mesmo sentindo as asas de besouros gigantes batendo em seus braços e rosto. A viagem para relaxar, renovar as energias e entrar em contato com a natureza já havia começado trôpega e mais estressante do que qualquer dia pesado de trabalho na poluída e preenchida cidade grande.

Foi quando, de repente, viram uma luz de lanterna vindo em sua direção. Aguardaram a luz se aproximar e identificaram um homem simpático que parecia vir em socorro. Foi se aproximando e cada passo seu era um alívio! Chegou bem perto deles, se apresentou como Nilson e avaliou a situação.

—Difícil resolver isso agora… Melhor esperar o dia amanhecer e a chuva dar uma trégua. Estão indo para onde?

Olhava para o carro e para eles com bastante desânimo e preocupação.

—Alugamos uma cabana que, ao que nos consta, já está bem próxima daqui. Mas não conhecemos nada e agora com o carro assim… não sabemos mesmo o que fazer!

—A cabana do Wagner? Que aluga para temporada?

Perguntou Nilson com um pouco mais de animação e esperança na voz.

—Sim, ele mesmo! Você conhece? Sabe se fica perto daqui?

—A cabana está muito perto daqui! Subindo mais uns 30m é a primeira portinhola branca à direita. Acho melhor subirem a pé e deixarem o carro aí para resolverem amanhã pela manhã! Por sorte chegaram muito perto com o carro! Vou indo porque tenho um longo caminho ainda pela frente. Mas não tem erro não! Subam por aqui e em 5 minutos estarão abrigados na cabana.

Cristina e Pedro respiraram aliviados e até emocionados com o que haviam escutado. Finalmente eles chegariam na, tão esperada, cabana e ao menos dormiriam abrigados e protegidos. Quanto ao carro resolveriam depois. Com Nina em um braço e malas no outro eles subiram vagarosamente pela ladeira ensaboada de lama e chuva. Os insetos mantinham seus ataques, mas Cristina já estava impávida e firme em seu propósito de chegar na cabana e iniciar seu tão merecido e almejado descanso.

Andaram poucos minutos e avistaram a portinhola branca, como indicada por Nilson. Estava tudo ainda muito escuro e não conseguiam visualizar muito bem a cabana. Mas ela estava lá! Haviam chegado até ela e entraram um tanto quanto afoitos e desesperados. Procuraram interruptores para acenderem as luzes mas encontraram apenas um interruptor no final da sala. Uma luz acanhada se acendeu e eles se decepcionaram bastante com o pouco que viram. Não dava para enxergar muito bem o local, mas tudo parecia muito bagunçado e desorganizado. Cheirava mal também. Nina, que era uma cachorra calminha, começou a latir muito e se mostrava angustiada. Pedro pegou Nina no colo tentando acalma-la e entender o porquê de sua agitação súbita. Percebeu que ela latia incessantemente para uma porta… que estava trancada. Tentou abrir algumas vezes a porta que parecia ser do quarto da casa, enquanto Cristina observava a cabana em silêncio e com um ar preocupante.

—Pedro… estou com uma sensação muito, muito ruim aqui dentro. Essa cabana não se parece em nada com a que escolhi no anúncio. Mesmo enxergando pouco Pedro, definitivamente não se parece… cadê os quartos? Eram dois quartos… A lareira? O Forno a lenha e os vinis? Não Pedro… esse cheiro? O que está acontecendo aqui? Esta não é a nossa cabana!

A voz de Cristina estava trêmula e entrecortada por acessos copiosos de choro. Estava aterrorizada de medo e Nina seguia latindo ininterruptamente. Nina não errava. Seus instintos eram infalíveis e eles tinham certeza de que havia algo muito errado ali. Pedro respirava ofegante tentando encontrar uma solução ou uma explicação.

Foi então que ouviram passos firmes e vagarosos se aproximando. Passo a passo alguém chegava perto da porta da casa. Cristina abraçou Pedro com força enterrando o rosto em seu peito e Nina seguia latindo esguelada. Uma sombra apareceu na porta da frente e eles viram a silhueta de um homem, parado assombrosamente.

—Que bom que acharam o caminho! Bem-vindos a minha cabana!

Disse Nilson.