A boiada verde e amarela

Talvez um dos assuntos mais falados da semana seja a boiada, vinda do curral do Ministério do Meio Ambiente, passando enquanto o cabaré Brasil, literalmente, pega fogo.

Recentemente, o nosso ministro pecuarista revogou no Conama[1] uma resolução, que protegia áreas como restinga e manguezais, mas a Justiça Federal do Rio suspendeu a decisão. Notório defensor dos interesses da agropecuária, essa boiada beneficia diretamente os criadores de camarão, que são responsáveis por um dos principais focos de desmate de manguezais no Brasil.

Mas antes do caso, o Ministro já dava as caras. Assim que assumiu já adiantou que o Brasil não se comprometeria com novas metas climáticas; extinguiu a Secretaria de Mudanças do Clima e Floresta; acha que há demarcação “excessiva” de terras indígenas e defendeu a agricultura comercial nas mesmas; prometeu acabar com as multas ambientais aplicadas pelo Ibama; declarou-se a favor da revisão completa das regras de regulação ambiental, qualificando-as de precárias e artesanais; tentou autorizar os produtores rurais a emitirem seu próprio licenciamento.

Ele já tentou até três candidaturas, mas não chegou perto em nenhuma delas. Teve um mestrado falso em Yale (que, diga-se de passagem, não teve tanto alarde quando o do quase Ministro da educação negro Decotelli, mas isso é assunto para um novo texto) e fundou junto com mais quatro amigos o clubinho “Movimento Endireita Brasil”— Não preciso nem fazer ironia que já está até pronta. Salles declarou ser contra o aborto, a favor da pena de morte e contra o uso de drogas — e dizem que a Damares é da linha ideológica do governo.

Todo o governo é da linha ideológica, porque é sobre isso que ele se sustenta. Esse é um projeto coeso, composto por páreas da vida pública, que descobriram uma oportunidade de ouro de se agarrarem aos últimos fios de cabelo da careca do executivo brasileiro, que já se encontra calvo de tanto estresse, vexame público internacional, breguice e escândalos. Reiterando o ponto, independentemente de ações judiciais para a saída do ministro do meio ambiente, ou qualquer outro deste governo, o próximo, ou próxima a assumir será inteiramente igual ou pior. Porque não adianta tapar o sol com a peneira, o problema está em outro lugar.

Não só a desproteção da restinga e dos manguezais, mas as queimadas na Amazônia e no Pantanal[2] chocam até os mais incrédulos — Mas isso não vem ao caso, né? Porque afinal, são os índios que estão colocando fogo na mata. Até Joe Biden falou da Amazônia e do desastre ambiental vivido pelo Brasil, em debate recente com Trump, uma espécie de aviso à presidência da república e aqueles que cismam em não ver o impacto ecológico, financeiro, social, cultural do descaso.

Discursos inflados minimizando os impactos sociais e econômicos a longo prazo pela destruição da Amazônia, do Pantanal, das florestas, dos mangues, dos povos indígenas, seguidos de desregulamentação dos mecanismos de fiscalização, tem impacto direto sobre a materialidade das nossas vidas. Às vezes, as situações são tão abstratas, que por essa sensação de distanciamento e a nossa desconexão com o todo, não entendemos claramente suas consequências diretas. Mas, precisamos compreender isso para cultuar uma vida mais saudável, democrática e harmônica com o todo. Defender a natureza e a democracia é defender a nós mesmos, defender a possibilidade de uma existência digna e integral, de um Brasil que tenha futuro.

[1] Conselho Nacional do Meio Ambiente

[2] Amazônia com aumento de 35% de queimadas só este ano e o Pantanal com 2 milhões de hectares de terra queimados.