A banheira e a flor

Estava sedenta por um banho de mar ou um mergulho na cachoeira. Tentava de todas as formas ocupar sua mente com outras programações e atrações diversas, mas nada substituía o poder regenerador da água salgada, que batia forte em suas pernas fazendo-a perder o equilíbrio e enterrar os pés na areia para se manter firme. Ou então uma queda d’água gélida que, por alguns segundos, fazia congelar todo o ar dos pulmões e restringia seus movimentos torácicos, mas que trazia um bem-estar tão profundo e a sensação de ter purificado todos os átomos do seu corpo e transportava a purificação até o íntimo de sua alma.

Sentia falta do ar que vinha através do vento fresco e entrava pelas suas narinas em alta velocidade, oxigenando até o último dos alvéolos e retornando ao mundo para ser renovado em ciclos eternos de transformações e ressignificações.

Mas não podia sair. Eram tempos difíceis e uma guerra ao invisível se travava lá fora. Não tinha opção. Não tinha nem previsão de quando tudo acabaria e voltaria à vida normal. Se é que se pode chamar de normalidade hábitos tão desaforadamente desumanos e insanos por todos os lados. Mas era o que conheciam por “normal”.

Foi então que, despretensiosamente, entrou no banheiro para seu banho matinal e levantou sua cabeça para esperar caírem as primeiras gotas de água. Ao olhar para o alto percebeu que o chuveiro não estava mais lá e, em seu lugar, havia uma espécie de rocha brilhante com uma fenda no meio de onde descia uma cascata de água cristalina e doce… as paredes de seu apertado box se transformaram em pedras com pequenas plantas brotando entre suas entranhas, algumas já com flores desabrochando. Embaixo de seus pés havia pedras misturadas com areia e podia sentir alguns peixinhos mordiscando sua panturrilha, como se fizessem cócegas propositais.

Desnorteada e sem entender o que estava acontecendo, mas extremamente feliz como não se sentia há dias, resolveu desfrutar intensamente de todos aqueles segundos de liberdade, acolhimento e contato com a pureza e com uma forma de divindade que só se encontra na natureza crua, selvagem e livre. Deixou a queda d’água massagear seus ombros e levar todos os nós musculares que se fizeram nesses dias difíceis. Bebeu a água doce e fresca que caia da fenda e mergulhou no poço que se formava com alguns raios de sol que entravam pelas frestas da janela e criavam um espetáculo de cores que comoveriam ao mais frio dos mortais.

Ela deu um pulo da cama. Seu despertador devia estar tocando há, pelo menos, uns 10 minutos ininterruptos, cada vez mais alto e de forma ensurdecedora. Demorou alguns segundos pra retomar a consciência e se dar conta de que estava dormindo e era hora de levantar para as tarefas diárias e para as muitas pendências que precisava concluir. Esfregou os olhos e deu um sorriso demorado, junto com uma espreguiçada gostosa, relembrando do sonho delicioso que havia tido e de que como fazia bem sonhar.

Se dirigiu ao banheiro para lavar o rosto e escovar os dentes. Quando olhou para o box se lembrou, mais uma vez, de seu sonho mágico e sorriu. Quando, de repente, uma luz mais forte parecia vir do chão. Se aproximou pra ver o que era, pois sua miopia já não a permitia mais enxergar muitas coisas de longe.

Eram algumas pedras molhadas sujas de areia e uma pequena flor.